A Musa e o Revisor

Temos um processo inconsciente de auto-correção que só funcionará, quando nos permitirmos errar.


A cultura massificada, presente no mundo contemporâneo, embota a capacidade de percepção do homem, empobrecendo sua alma. A crise de percepção interfere profundamente no potencial criativo, gerando uma insuportável sensação de aprisionamento.

Desta forma, limitados os ângulos da realidade, sentimo-nos em um circuito fechado onde tentamos, persistentemente, manter o controle da situação, onde as escolhas deverão ser as mais acertadas possíveis. Vale lembrar que em um contexto saudável, tentativa e erro mantêm um relacionamento fácil e fluente, onde nos corrigimos sem pensar, uma vez que na dinâmica da vida nunca temos razão, pois estamos sempre mudando e percorrendo ciclos.

A pessoa criativa pode ser vista como a expressão de duas personagens interiores atuando no mundo – a musa e o revisor. A musa propõe e o revisor dispõe. O revisor critica, dá forma e organiza o material gerado no livre jogo da musa. Mas se o revisor preceder a musa antes de segui-la, teremos problemas.

Se o criativo julga seu trabalho antes que haja algo a julgar, ocorre um bloqueio ou uma paralisia. A musa é criticada antes mesmo de se manifestar. Assim o criativo perde o controle, a crítica interior assume o papel severo e punitivo, como uma força invisível, opressora que parece se interpor em nosso caminho.

A questão não é sufocar o revisor, mas orientá-lo quanto a atuar no momento certo, exercendo não a crítica obstrutiva, mas a crítica construtiva.

A crítica construtiva ocorre paralelamente ao tempo da criação, na forma de um feedback contínuo, uma espécie de trilho paralelo que facilita a ação. A crítica obstrutiva atua perpendicularmente à linha de ação, interpondo-se antes (bloqueio) ou depois (rejeição ou indiferença) da criação.A habilidade de uma pessoa criativa está em ser capaz de perceber a diferença entre os dois tipos de crítica, cultivando a certa, no melhor momento.

Perceber o tempo certo, faz com que os dois personagens – musa e revisor, se tornem parceiros, sempre em sincronia, como um par de bailarinos que se conhecem há muito tempo.

Adaptado do livro –SER CRIATIVO, de Stephen Nachmanovitch, pg. 123, O FANTASMA DA CRÍTICA.

Anexos

 

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